Essa postagem visa delinear em uma rápida 'pincelada' os principais termos e conceitos frequentemente usados quando se estuda fisioterapia cardiorrespiratória, sobretudo na graduação.
Abaixo teremos conceitos que servem de base para estudos posteriores e também para responder questões de concurso, provas no geral ou até mesmo pra sanar aquela dúvida que ficou em alguma matéria 'perdida' por ai. Espero que seja de bom proveito!
Termos conceituais da hemodinâmica
Sabendo que o coração é um órgão 'bomba', uma das variáveis mensuráveis para que se possa saber a saúde cardíaca e o potencial de recuperação ou prognóstico do paciente cardiopata é a FEVE, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, assunto que torna necessário o entendimento do conceito de débito cardíaco.
Débito cardíaco - sangue ejetado pelo ventrículo esquerdo através da sístole
A primeira determinante do DC é a frequência cardíaca (FC):
Débito cardíaco (ml) = volume sistólico x FC
Por exemplo:
DC = 70 x 80 = 5600 ml, ou 5,6l.
FC é uma varíavel relacionada ao cronotropismo, propriedade que o coração possui de acelerar o batimento ou alterar o ritmo decorrente das alterações da fisiologia do Ca++ no nodo sinusal/ sinoatrial e/ou da estimulação simpática nos receptores de noradrenalina. Em outras palavras: Quanto maior a frequência, maior o débito cardíaco.
A segunda determinante do DC é a contratilidade, característica denominada também como inotropismo positivo, consiste no aumento da força da contração do miocárdio, ligada também ao aumento do influxo de cálcio ou permanência do mesmo no meio intersticial das células cardíacas.
Quanto mais encurtada a fibra cardíaca, maior o volume sistólico, pois há maior 'torque', ou força de contração. Similarmente, há medicamentos que diminuem a força de contratilidade gerando inotropismo negativo, seja por diminuição do influxo de cálcio, seja por estimulação do sistema parassimpático ou regulação e diminuição dos níveis de adrenalina no corpo.
A) Pré-carga. B) Pós-carga |
Outras duas determinantes do débito cardíaco são também conceitos-chave para que o estudante possa entender estudos futuros nessa área. Tais conceitos são a pré-carga e a pós-carga.
A pré-carga é o volume de sangue presente antes da sístole, também determinado como volume diastólico final que exerce o estiramento na parede ventricular. Em outras palavras, é a maior quantidade de sangue quando o ventrículo esquerdo está 'cheio'. A pré-carga depende do retorno venoso, sendo diretamente proporcional. Em outras palavras, quanto maior a pré-carga maior o débito cardíaco.
Pós-carga pode ser definida como a resistência vascular que o ventrículo esquerdo deve vencer para manter o débito cardíaco.
Pensemos na seguinte analogia: uma mangueira esguicha água até o ponto mais distal onde seja possível alcançar uma área permeável, em outras palavras, se alguém pisar na ponta da mangueira irá gerar resistência e tal resistência irá dificultar o acesso do fluxo de água ao 'lúmen' da mangueira, podendo, dependendo da qualidade do material do 'vaso' (mangueira, nessa analogia), rompê-lo. É ai que anda o perigo de processos obstrutivos no sistema circulatório.
Outro ponto a ser interpretado é que nem sempre o aumento da pós-carga está relacionado a um processo aterosclerótico distal, mas a um aumento da pressão arterial sistêmica, principal medida indireta da pós-carga. Podemos atribuir o modelo de analogia de uma torneira que jorra água em um funil de bico fino.
Até certo ponto o débito através do lúmen do funil pode ser mantido, mas o problema é que o volume atrás do lúmen se enche mais rapidamente do que esvazia, devido à resistência do lúmen estreito. Um processo similar, mas ligeiramente mais complexo é observado em pacientes com insuficiência cardíaca à esquerda que desenvolvem edema pulmonar por congestionamento das veias pulmonares.
Interessante frisar que a resistência vascular sistêmica (ou seja, pós-carga do ventrículo esquerdo) é naturalmente maior que a resistência vascular pulmonar (pós-carga de ventrículo direito). A PEEP (pressão expiratória positiva final) aumenta a pós-carga de ventrículo direito através da compressão de artéria pulmonar.
A pressão arterial depende de dois fatores, débito cardíaco e resistência vascular. A pressão na artéria proporcional à sístole é denominada à pressão arterial sistólica, dependendo mais do débito cardíaco. A pressão na artéria proporcional à diástole é denominada pressão arterial diastólica e seu aumento pode estar relacionado ao aumento da resistência vascular sistêmica.
Em ambiente hospitalar há uma terceira medida obtida por monitor digital ou cálculo a beira do leito. Tal medida é denominada pressão arterial média (PAM) e pode ser especialmente útil em pacientes neurológicos, cuja pressão intracraniana deve ser monitorada rigorosamente e faz-se necessário ao observação da pressão de perfusão cerebral.
Para calcular a pressão arterial média utiliza-se a seguinte equação:
(2PAD) + PAS)/3, onde PAD é pressão diastólica e PAS é pressão sistólica.
Suponhamos que o paciente X tenha como medidas de pressão arterial 180x90 mmHg, estando, portanto em hipertensão arterial. Sua PAM será calculada da seguinte forma:
(2 x 180) + 90) / 3 =
(360+90)/3=
450/3=
150 mmHg é o valor esperado de pressão arterial média para esse paciente.
O valor esperado para PAM é de 70 a 110mmHg, enquanto a pressão arterial não deve ultrapassar a faixa de 140x90mmHg.
A monitoração da pressão intracraniana depende da instalação de catéteres intracranianos em ramos arteriais específicos, para que se possa prever o prognóstico do doente e também mensurar o potencial de autorregulação do sistema nervoso.
É importante relembrar que a ventilação mecânica exerce importante efeito nesses pacientes pois em pacientes com hipertensão intracraniana o aumento do CO2 arterial pode aumentar a dilatação dentro do SNC, piorando o quadro clínico.
Assim sendo, a PIC não pode ser obtida por cálculo, mas por cateterismo e podemos definir a PIC como resultante das pressões exercídas pelo parenquima encefálico, líquor ventricular e subaracnóide e sangue circulante local. O valor normal da PIC é entre 0 e 15mmHg
Uma medida preditiva de melhora ou piora no quadro clínico do paciente com HIC é a mensuração da PPC, pressão de perfusão cerebral.
Ai entra a importância da PAM, pois a PPC é definida pela fórmula PPC = PIC - PAM.
Desta forma, imaginemos uma mulher internada com catéter intracraniano e PIC de 16mmHg, com pressão arterial de 180x90mmHg e PAM de 150 mmHg. O cálculo ficará da seguinte forma:
PPC = PAM - PIC
PPC = 150 - 16
PPC = 134 mmHg
Os valores normais da PPC são acima de 70mmHg, lembrando que abaixo de 70mmHg pode ocorrer hipóxia por baixa oxigenação e com isso, isquemia e necrose, além de processo inflamatório que pode ocasionar piora do quadro de hipertensão craniana.
Levando em consideração que o O2 tem efeito hipóxico no SNC, alguns clínicos preconizam manter a PPC alta para que haja vasoconstrição e diminuição da PIC no paciente neurológico. Entretanto, estudos recentes demonstram não haver correlação entre PPC alta ou normal e níveis de PIC, fluxo sanguíneo cerebral ou alterações do metabolismo de O2 cerebral.
Conceitos mais avançados, mas interessantes na monitorização do paciente neurológico abrangem os conceitos de FSC (fluxo sanguíneo cerebral), ECO2 (extração cerebral de O2)
O fluxo sanguíneo cerebral normal é de cerca de 750ml/min, sendo correspondente a 15 a 20% do DC cardíaco e dependendo também das condições cardiovasculares do doente. É importante lembrar que na fase aguda da lesão neurológica o FSC é baixo por até três dias, quando consegue se restabelecer próximo dos valores considerados normais.
Outras duas medidas interessantes e que se relacionam diretamente à gasometria, que discutiremos em outra postagem, é a saturação de O2 arterial e a saturação venosa de O2 da veia jugular.
A primeira é a medida de quanto oxigênio consegue se ligar a hemoglobina, formando oxiemoglobina. A segunda (sjvO2) é a medida do equilíbrio entre oferta e consumo de O2 no cérebro.
Estes dois conceitos são mais avançados e se referem à monitorização do bulbo da jugular, Assim sendo, a extração cerebral de oxigênio pode ser definida pela fórmula ECO2 = SatO2 - SjvO2, que em outras palavras pode ser definida como a razão entre o que entra e sai de oxigênio no sistema nervoso central.
Gráfico de capnografia |
Além disso, a capnografia ou capnometria pode auxiliar na monitoração do CO2, pois utiliza um sensor nas vias áreas para mensurar quanto CO2 fica retido ao final da expiração, denominando essa medida como PETCO2, relacionando em um gráfico essa medida ao tempo inspiratório e expiratório.
O valor normal da PETCO2 é de 35 a 45mmHg, estando relacionado ao nível de PaCo2 geralmente com diferença de 5mmHg na razão entre as duas medidas.
Frequentemente a PETCO2 também é chamada de ETCO2, sendo conhecida como gás carbônico no fim da expiração (end tidal CO2).
Espero que tenha conseguido explicar esse tema 'cabuloso' para os principiantes com um pouco mais de simplicidade do que os materiais encontrados por ai.
Fonte:
- Falcão, A.L.E. Aspectos técnicos da monitorização da PIC pelo método subaracnóideo no TCE grave. Arq Neuropsiquiatr 59:4, 2001
- Cruz, J. Traumatic brain ischemia during neuro intensive care: myth rather than fact. Arq Neuropsiquiatr 59:3, 2001
- Knobel, E. Condutas no paciente grave. São Paulo, Ed. Atheneu, 1994
- Cruz, J. Neurointensivismo. Série Clínicas Brasileiras de Medicina Intensiva, São Paulo, Ed Atheneu, 2000
- West, J.B. Fisiologia respiratória moderna. Ed. Manole, São Paulo, 1990.
- Carvalho, R.R. Relatório do II Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica. In Série Clínicas
- Brasileiras de Medicina Intensiva, São Paulo, Ed. Atheneu, 2000
- Robertson, CS et al. SjvO2 monitoring in head-injured patients, J Neurotrauma, 1995.
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