sábado, 25 de fevereiro de 2017

O que é DPOC? - Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento

DPOC é uma sigla que significa doença pulmonar obstrutiva crônica, tendo seu nome original como COPD (chronic obstructive pulmonary disease). Trata-se de uma patologia cuja principal característica é a obstrução ao fluxo aéreo na fase expiratória, não totalmente reversível, diferentemente da asma.

Embora seja um termo único, a DPOC pode se referir a duas entidades patológicas distintas, como a bronquite crônica e o enfisema, ou a um quadro com características dessas duas patologias, mais frequentemente encontrado, sobretudo em pacientes tabagistas de longa data.

Caracteriza-se por bronquite crônica a tosse com expectoração por período de pelo menos três meses ao ano por pelo menos dois anos consecutivos. Já o enfisema, pode ser descrito como uma dilatação anormal dos alvéolos distais aos bronquíolos terminais, acompanhada de destruição do parênquima pulmonar.

Quase 90% dos portadores da doença foram ou são tabagistas, sendo que a fumaça leva à atração de macrófagos para o pulmão, que por sua vez estimulam neutrófilos e linfócitos, principalmente linfócitos do tipo CD8 que liberam estimuladores de macrófagos-granulócitos que eliminam proteinases como elastases e catepsinas, diminuindo a capacidade de recuo elástico do pulmão e ocasionando áreas de espaço morto alveolar, isto é, áreas cujos alveolos são incapazes de realizar troca gasosa.

A lesão é amplificada por uma falha dos sistemas de proteção e reparação tecidual, como no enfisema decorrente da deficiência de alfa-1-antitripsina, uma enzima que previne que a elastase pulmonar 'corroa' o componente elástico do pulmão.

Os sintomas de bronquite crônica, como tosse crônica e produtiva, sendo que muitas vezes é hiper secretiva podem ser explicados mediante à irritação da árvore brônquica de longa data e pela hiperplasia e hipertrofia de células caliciformes e mucóides, gerando produção exacerbada do muco.

Sintomas e características comuns costumam incluir a tosse persistente produtiva, a dispneia que
tende a aumentar com o passar do tempo à medida em que ocorre perda de mais áreas de troca gasosa e consequente aumento do trabalho respiratório e ocorrência de alterações gasométricas.

Classicamente se descreve dois tipos de pacientes distintos, o enfisematoso, emagrecido pelo trabalho respiratório excessivo decorrente da morte do parênquima pulmonar e o paciente bronquítico, cujo tórax é em formato de tonel ou barril, com diâmetro ântero-posterior aumentado. Clinicamente é muito mais frequente a ocorrência de um padrão misto, com características enfisematosas e bronquíticas em um mesmo paciente, que pode ser 'hipoxêmico' ou não (em certos pacientes é comum encontrar coloração de pele azulada e baqueteamento das unhas devido à diminuição do oxigênio biodisponível).

Mecanismos de Obstrução

A limitação ao fluxo aéreo é causada pelo aumento da resistência de vias aéreas e pela diminuição do recuo elástico decorrente da destruição parenquimatosa.

É interessante notar que durante muitos anos o paciente não irá perceber dispneia ou chiados/sibilos característicos de pacientes obstrutivos e isso se deve ao fato de que a resistência de vias aéreas é maior da traquéia à quinta ou sexta geração de brônquios segmentares, indo diminuindo progressivamente devido à grande área de secção transversa que estes brônquios ocupam. Vários anos são necessários para ocorrerem alterações estruturais que aumentem a resistência e obstrução de vias aéreas.

PEEP intrínseca

A PEEP intrínseca é a diferença entre as pressões alveolares e na abertura das vias aéreas ao final da expiração, também chamada de auto-PEEP. É um volume de ar que não consegue ser expelido durante a expiração como ocorre em pessoas normais, sendo que gera um quadro de hiperinsuflação dinâmica que pode ser descrito como 'gas trapping' ou aprisionamento de ar.

Pode ocorrer devido à perda do recuo elástico do pulmão, fechamento das vias aéreas a altos volumes e com tempo expiratório insuficiente para exalar completamente o volume corrente.

Anatomicamente, a principal consequência da auto-PEEP é a redução da zona de aposição diafragmática que leva à diminuição da força muscular desse músculo com consequente imagem radiológica de achatamento ou retificação do diafragma.

Radiografia típica de DPOC com achatamento de cúpulo diafragmática.
  Em situações normais o diafragma se contrai e aumenta a pressão abdominal durante a inspiração, transmitindo a pressão para a parede torácica e expandindo o tórax. Quando o volume pulmonar está aumentado a força ativa do diafragma diminui e diante desse encurtamento muscular ocorre a perda de sarcômeros e adaptação do diafragma para uma posição retificada em ambas as hemicúpulas.

A lei de Laplace determina que Pdi = 2tdi/Rdi, o que significa literalmente que a pressão diafragmática é igual a duas vezes sua tensão tangencial dividida pelo seu raio de curvatura; dessa forma, se o raio de curvatura está alterado e a zona de aposição é diminuída, há menor pressão diafragmática e força ativa, ocorrendo dessa forma um impacto na inspiração do paciente decorrente das alterações anatomofuncionais ocasionadas pela hiperinsuflação dinâmica.

Estadiamento da DPOC

Todo ano a GOLD (Global Iniciative for Chronic Obstructive Lung Disease) lança atualizações das diretrizes de estadiamento, diagnóstico e manejo da DPOC baseada em evidências e de acordo com consenso de experts da área.

Para falar sobre estadiamento faz-se necessário entender como é feito o diagnóstico de DPOC.
Basicamente, o diagnóstico é dado com base na espirometria, que deverá demonstrar VEF1/CVF <0,7 não reversível com uso de broncodilatadores. Além disso, é levada em conta a sintomatologia do paciente ao longo do tempo e seus dados coletados durante anamnese.

Os estágios de DPOC vão de I a IV e são classificados de leve a muito grave dependendo dos resultados obtidos pela espirometria e dos sintomas e histórico de internações (exacerbações da doença).

I - DPOC leve - VEF1/CVF <0,7 e VEF1 maior ou igual a 80% do previsto pós-broncodilatador
II - DPOC moderada - VEF1/CVF <0,7 e VEF1 previsto pós-broncodilatador abaixo de 80% e acima de 50%
III - DPOC grave - VEF1/CVF <0,7 e VEF1 previsto pós-broncodilatador abaixo de 50% e acima de 30%
IV DPOC muito grave - VEF1/CVF <0,7 e VEF1 previsto pós-broncodilatador abaixo de 30% ou em torno de 50% se associado ao histórico de insuficiência respiratória.

Além disso, o número de internações por exacerbação da doença pode ser considerado também como estadiamento e medida de prognóstico (GOLD 2016).

Exacerbação da DPOC

Piora do quadro clínico causada por alguma patologia ou vetor etiológico, como infecções, levando à piora da dispneia e relação V/Q. Na maioria dos casos o paciente evolui com hipertermia, leucocitose, hipotransparência pulmonar em raio x, secreção purulenta e piora do padrão respiratório.

Outras causas não infecciosas podem ser tromboembolia pulmonar, pneumotórax por hiperinsuflação direita, arritmias, coronariopatias e associações de medicamentos.

O tromboembolismo pulmonar pode ocorrer em pacientes com DPOC devido à insuficiência ventricular direita, cor pulmonale, que gera edema de membros inferiores e também hipoxemia crônica.

O cor pulmonale ocorre pois o volume expiratório final aumentado pode aumentar a pressão intratorácica aumentando a impedância ao fluxo sanguíneo na artéria pulmonar, impondo sobrecarga à câmara ventricular direita.

A fisiopatologia da exacerbação da DPOC pode ser descrita como sendo uma reação inflamatória que gera congestão vascular e espessamento de mucosas, levando à contração da musculatura lisa, limitação do fluxo expiratório e queda do volume corrente. A CRF em pacientes com DPOC é aumentada, porém ainda é menor que o volume expiratório final, ocasionando pressão alveolar positiva constante no fim da expiração (auto-PEEP) que diminui o tempo expiratório e aumenta o fluxo inspiratório para tentar aumentar o volume-minuto. Tal quadro de taqui-dispneia leva à fadiga muscular respiratória se não tratado a tempo, podendo levar à parada respiratória.

Uso de VNI na DPOC exacerbada

Ventilação não invasiva é uma indicação para pacientes com insuficiência respiratória aguda hipercápnica (tipo II) comumente secundária à DPOC, e também para pacientes que ainda não estejam em insuficiência respiratória, mas apresente um desconforto respiratório franco com frequência respiratória aumentada.

As primeiras duas horas de VNI são críticas e exigem monitoração contínua. A interface nasal utilizada deve levar em conta o risco-benefício: embora a máscara nasal possua menor espaço morto, sendo mais indicada para pacientes com DPOC, a máscara facial 'full face' é a mais indicada para insuficiências respiratórias graves.

A monitorização de pacientes com hipoxemia aguda, acidose persistente e comprometimento orgânico sistêmico requer acesso venoso central, canulação arterial periférica e catéter de Swan-Ganz.

O esforço muscular é reduzido caso a sensibilidade seja ajustada por fluxo ao invés de pressão.

Preditivos para uso da VNI em paciente com DPOC:
FR> 24 irpm com pH < 7,35 com PaCo2 >45 mmHg ou PaO2/FiO2 menor que 200.

A PEEP extrínseca deve ser ajustada em até 85% da auto-PEEP, que pode ser mensurada através de três métodos:

- Ocluir a válvula expiratória imediatamente antes do início da inspiração. O valor da elevação da PEEP durante essa manobra é o valor da auto-PEEP. Há ventiladores atuais com essa função facilitada por uma tecla. O paciente não pode interagir com ventilador durante essa manobra, muitas vezes havendo a necessidade de ser sedado ou até curarizado.
- Medir a pressão de platô do paciente, promovendo pausa expiratória longa (30s) e repetir a medida da pressão de platô. A diferença entre as duas medidas é o valor da auto-PEEP. Outro método que exige sedação.
- Medir a pressão esofágica: tal método estima a pressão pleural. A auto-PEEP corresponde ao valor da pressão esofágica até que se inicie o fluxo inspiratório. Essa forma de medida da auto-PEEP deixa evidente o trabalho respiratório que ela impõe ao paciente, ou seja, o paciente deve gerar uma pressão igual à auto-PEEP para iniciar o trabalho respiratório.

Estudos demonstram que o BiPap ou binível é melhor que o CPAP no tratamento da DPOC; isto se deve ao fato de que pacientes com DPOC agudizados frequentemente necessitam de suporte ventilatório durante a fase inspiratória, não sendo suficiente somente a pressão positiva expiratória oferecida pelo CPAP de forma contínua.

Embora aqui o foco tenha sido abordar o tratamento fisioterapêutico na agudização, outras condutas podem ser úteis nesse paciente de acordo com a necessidade, tais como manobras de higiene brônquica para eliminar secreção, exercícios que visem prolongar o tempo expiratório e também o tratamento medicamentoso que pode dar algum conforto adicional ao paciente, como corticosteróides e broncodilatores que devem ser prescritos pelo médico, caso necessário.

Fontes:

- Fisiopatologia Respiratória - Carvalho, CR
- Terapia Respiratória de Egan - Scanlan CL, Wilkins RL, Stoller JK
-  Fisioterapia Respiratória no Paciente Crítico: Rotinas Clínicas - Sarmento, GJV
- III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica : DPOC

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Conceitos Básicos de Hemodinâmica - Débito Cardíaco, Monitorização e Pressões Sanguíneas

Essa postagem visa delinear em uma rápida 'pincelada' os principais termos e conceitos frequentemente usados quando se estuda fisioterapia cardiorrespiratória, sobretudo na graduação.
Abaixo teremos conceitos que servem de base para estudos posteriores e também para responder questões de concurso, provas no geral ou até mesmo pra sanar aquela dúvida que ficou em alguma matéria 'perdida' por ai. Espero que seja de bom proveito!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Anatomia e Fisiologia Cardiovascular Resumida

Coração - estrutura contrátil que funciona como bomba de sangue; de fato, são duas bombas, pois o coração direito bombeia sangue para os pulmões e o coração esquerdo, bombeia sangue para a periferia.
Cada 'bomba' é composta de um átrio e um ventrículo, sendo que o átrio é uma bomba de escorva para o ventrículo que age como um bombeamento principal para o pulmão (VD) ou para periferia (VE).

Fisiologia de Contração Cardíaca

As contrações cardíacas ou ritmo cardíaco são promovidos por mecanismos especiais que transmitem potenciais de ação, i.e estímulos elétricos, pelo miocárdio.
O coração é composto por três tipos principais de músculo: m. atrial, m. ventricular e as fibras especializadas excitatórias e condutoras.

Os tipos atrial e ventricular do músculo contraem-se similarmente aos músculos esqueléticos, mas com maior duração da contração.

 Por outro lado, as fibras excitatórias e de condução só se contraem fracamente, por conterem poucas fibras contráteis, mas apresentam descargas elétricas rítmicas automáticas na forma de potenciais de ação, ou fazem a condução desses potenciais de ação pelo coração, controlando o batimento cardíaco.
As fibras miocárdicas possuem inúmeros discos intercalados que formam 'gap junctions', ou espaços intervalados, que permitem a difusão livre dos íons rapidamente.

Nódulo sinoatrial: Componente do coração que gera o estímulo elétrico a ser propagado.

Feixe de His: sistema condutor que envia impulsos para o ventrículo, pois os potenciais elétricos não atravessam a barreira fibrosa que circunda a abertura das valvas atrioventriculares que separam os átrios dos ventrículos.

Para garantir que ocorra contração separada de átrios e ventrículos, nessa ordem, para aumentar a eficácia do bombeamento, o coração é dividido em dois sincícios.

Os potenciais de ação no músculo cardíaco tem em média 105 milivolts, sendo que o potencial intracelular entre os batimentos é de -85 milivolts, alcançando +20 milivolts durante o batimento cardíaco. Após o potencial em ponta inicial, a membrana permanece despolarizada por 0,2 segundos exibindo um platô, ao qual se segue repolarização repentina. Tal platô faz com que a contração muscular ventricular dure até 15 vezes mais que as contrações de músculos esqueléticos.

A contração prolongada e o platô da contração ventricular se devem a dois fatores: o potencial de ação é originado pela abertura de canais de dois tipos: canais de Na++ que são rápidos, assim como nos músculos esqueléticos e canais de Ca++ lentos, que também são referidos como canais de Ca-Na++ e ao aumento da permeabilidade de membrana celular ao íon K++.

As miofibrilas se contraem através de um mecanismo conhecido como mecanismo 'acoplamento excitação-contração', que pode ser resumido da seguinte forma:

"Quando o potencial de ação cursa pela membrana do miocárdio, o potencial de ação se difunde para o interior da fibra muscular, passando ao longo das membranas dos túbulos T, cujo potencial age na membrana dos túbulos sarcoplasmáticos longitudinais que liberam Ca++ pelo retículo sarcoplasmático no sarcoplasma muscular.

Após milésimos de segundos esses íons Ca++ se dispersam dentro das miofibrilas catalizando as reações químicas que promovem o deslizamento, um contra o outro, dos filamentos de miosina e actina, produzindo contração muscular."

Ou em forma de fluxograma de ideias:
"potencial de ação => membrana do miocárdio => interior da fibra => túbulos t => túbulos sarcoplasmáticos longitudinais => liberam Ca++ pelo retículo sarcoplasmático => miofibrilas => gera contração."

Um fato interessante é que os túbulos T liberam Ca++ adicional durante a contração para aumentar a eficácia da contração cardíaca e a duração da mesma. sendo que tal influxo de cálcio é bruscamente interrompido após o final do platô de potencial de ação.

Enquanto a área do miocárdio já está excitada pelo impulso nervoso, ela não pode ser reexcitada em condições normais, sendo que tal intervalo de período é chamado de período refratário. Isso explica a distância entre as ondas do ECG, em que faz-se necessário a despolarização de um segmento para que ocorra a repolarização.

Existem válvulas que funcionam como mecanismo para impedir refluxo de sangue dos ventrículos para os átrios durante a sístole. Tais valvas (isso mesmo, se escreve VALVA e não válvula, apesar de funcionar como uma), funcionam como membranas que tamponam o lúmen depois que o sangue adentrou a câmara ventricular, e são a valva atrioventricular direita, ou tricúspide, e valva atrioventricular esquerda, ou mitral.

Semelhantemente, existem valvas semilunares que impedem o refluxo da aorta e das artérias pulmonares para os ventrículos durante a diástole.

Ciclo Cardíaco / Excitação Cardíaca

O ciclo cardíaco é o nome dado ao conjunto de eventos entre o início de um batimento e o início do próximo.

O batimento cardíaco se inicia com estímulo do nodo sinusal ou sinoatrial, que gera potencial de ação que excita as vias internodais (anterior, média e posterior), que atingem a via interatrial anterior, levando o potencial de ação de um átrio ao outro com velocidade de  até 1m/s, chegando ao nodo atrioventricular com atraso de 0,03 segundos. É retardado em 0,09 segundos ao passar pelas vias que ligam as vias internodais ao nodo atrioventricular.
Na porção penetrante do feixe de His sofre condução lenta, o que justifica a breve pausa durante essa etapa. Então, através das fibras de Purkinje, células especializadas que conduzem o estímulo central do nodo AV (feixe de His) para direita e esquerda simultaneamente, fazendo com que os ventrículos contraiam e ocorra a sístole, que é a ejeção de sangue do ventrículo. Após isso, ocorre a diástole, que é o relaxamento cardíaco, período no qual o ventrículo se enche de sangue atrial novamente.

Em resumo: Impulso nervoso é gerado pelo nodo sinoatrial => átrios despolarizam e contraem simultaneamente => nodo atrioventricular => septo interventricular (breve pausa e atinge então o feixe de His)=> ventrículos D e E simultaneamente.


A diástole pode ser dividida em três subfases: relaxamento isovolumétrico, enchimento rápido e enchimento lento (diástase).

1) Relaxamento isovolumétrico:
Não há alteração de volume ventricular pois as valvas AV estão fechadas.

2) Enchimento rápido:
O aumento do volume atrial cria diferencial de pressão suficiente para abrir as valvas AV, iniciando a difusão do sangue e enchimento para os ventrículos.

3) Enchimento lento (diástase):
O sangue retornado das veias para os ventrículos está desimpedido (valvas abertas), porém, tem menor fluxo (menor velocidade). O sangue passa direto do átrio para o ventrículo e há diminuição da complacência ventricular.

A sístole é a contração dos ventrículos pela qual o sangue é ejetado para a aorta (ventrículo esquerdo) e para a artéria pulmonar (ventrículo direito). Interessante notar que a única artéria do corpo que possui sangue venoso e pobre em oxigênio circulando é a artéria pulmonar, cujo sangue realiza um trajeto 'inverso' que descreve a circulação pulmonar, melhor explicada a seguir.

Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação

Inicia com o sangue trazido das periferias através das veias cavas superior e inferior, que drenam sangue dos membros superiores e cabeça, e de membros inferiores, respectivamente.  Do átrio direito, o sangue atravessa a valva atrioventricular direita (tricúspide) e atinge o interior do ventrículo direito.
O sangue é ejetado para o tronco pulmonar, onde artérias pulmonares direita e esquerda levam o sangue aos capilares pulmonares onde ocorre a hematose, que consiste na troca gasosa entre capilares e alvéolos, no espaço denominado membrana alvéolo-capilar.  O sangue retorna pelo átrio esquerdo, através das veias pulmonares, onde o sangue já oxigenado está pronto para ser emitido às periferias a fim de oxigenar o sistema, dando início à circulação sistêmica.

Circulação Sistêmica

O sangue que é ejetado do átrio esquerdo após ser recebido pelas veias pulmonares atravessa a valva atrioventricular, atinge o ventrículo esquerdo que fará uma sístole e mandará o sangue para a artéria aorta e seus ramos, para que o sangue seja oxigenado e distribuído a corpo, retornando depois como sangue venoso através das veias cavas que desembocam no átrio direito, recomeçando a circulação pulmonar.




segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Regulação da Ventilação

O sistema nervoso comanda todos os demais sistemas e tal fato não é nenhuma novidade, porém, muitas pessoas não sabem como ocorre o comando nervoso do sistema respiratório e os componentes autônomos que garantem a ventilação como deve ser, involuntária e contínua, porém responsiva a variações clínicas e gasométricas.

Existem três elementos básicos do sistema de controle respiratório:

  • sensores aferentes, que levam informação ao controle central no encéfalo
  • controle central bulbo-pontino que coordena a informação e reage com impulsos eferentes
  • nervos efetores que atuam na musculatura inspiratória e expiratória, produzindo a ventilação.

Sabendo disto, podemos definir que basicamente os impulsos elétricos ou potenciais de ação partem do tronco encefálico e iniciam o processo automático normal da ventilação. A natureza periódica e rítmica da ventilação é pré-definida por neurônios que se encontram na ponte e no bulbo. Estes, formam o centro respiratório.

Existem três grupos principais de neurônios compondo o centro respiratório:

  • Centro respiratório bulbar - se encontra na formação reticular do bulbo raquidiano, por baixo do assoalho do quarto ventrículo e possui duas áreas identificáveis, o grupo respiratório dorsal, que atua na inspiração e o grupo respiratório ventral, que age na expiração;
  • Centro apnêustico, na ponte inferior - leva o nome de apnêustico (de apneuse), pois uma lesão nessa área pode ocasionar inspiração prolongada e interrompida por paradas respiratórias momentâneas (respiração apnêustica);
  • Centro pneumotáxico - Fica na ponte superior e parece inibir a inspiração. regula o volume inspiratório e, secundariamente a frequência respiratória.
Embora tais componentes sejam suficientes para manter a respiração automática, o córtex e o sistema límbico podem também influenciar na respiração. O córtex pode acelerar o ritmo respiratório conforme solicitarmos, causando hiperventilação e consequente aumento do pH; entretanto, é muito difícil que a hipoventilação espontânea seja tolerada, pois temos um complexo sistema que reage de maneira eficaz contra aumento da PaCO2 e redução do pH arterial.

Possuímos sensores que fazem a coleta e envio de informações acerca da ventilação, níveis de gases sanguíneos e estimulam a resposta necessária para homeostasia respiratória. Tais sensores podem ser divididos em quimiorreceptores centrais e quimiorreceptores periféricos.

     Os quimiorreceptores centrais respondem à mudança de íons H+, cujo aumento causa acidose. 
Um fato interessante é que a barreira hematoencefálica não permite a passagem de íons H+ ou de HCO3 para o SNC, porém o líquor (LCR) conduz CO2 dissolvido que estimula os vasos sanguíneos cerebrais a liberar íons H+ e estimular tais quimiorreceptores, para que haja resposta reflexa à acidose, como por exemplo, a hiperventilação, com o intuito de 'lavar' (eliminar) CO2.

Importante salientar que o ph liquórico reage mais rapidamente ao incremento de PaCo2, pois o H2CO3 (composto formado por água e dióxido de carbono) se dissocia, libera íons H+ e estimula a hiperventilação; já a alteração do pH sanguíneo é tamponada de forma lenta, levando de 2 a 3 dias para que haja aumento no bicarbonato excretado pelos rins.

       Os quimiorreceptores periféricos são divididos entre corpos carotídeos e corpos aórticos, que agem muito mais rápido do que os quimiorreceptores centrais. Os corpos carotídeos localizam-se no seio carotídeo e são inervados pelo nervo glossofaríngeo, que leva informações ao bulbo raquidiano.
Os corpos aórticos se localizam próximo ao arco da aorta, tendo como inervação o nervo vago, que também é aferente ao bulbo raquidiano.
Tais quimiorreceptores reagem à diminuição de PaO2 e do pH, e a grandes aumentos do PaCO2.

A regulação nervosa da respiração é descrita acima, vamos agora nos ater à regulação mecânica.

Receptores Mecânicos da Respiração

Os receptores mecânicos ficam no músculo liso das vias aéreas extrapulmonares. 

Receptores de estiramento pulmonar - geram impulsos quando o pulmão se distende, limitando a inspiração quando o volume da mesma atinge cerca de 1 L. Aparentemente, possuem fibras mielínicas inervadas pelo nervo vago, que emite impulsos para retardar a frequência respiratória e prolongar a expiração quando a capacidade inspiratória é atingida; tal reflexo é conhecido como reflexo de Hering-Breuer.

Semelhantemente, quando a expiração máxima é atingida, ocorre um arco-reflexo conhecido como reflexo de dessuflação, que inibe a expiração e inicia nova inspiração.

Os receptores de irritação estão entre as células epiteliais das vias aéreas e são estimulados por gases nocivos, fumo, poeira inalada e ar frio. Os impulsos ascendem via nervo vago causando broncoconstrição e hiperpneia. É possível que tais receptores estejam hiperreativos em pacientes asmáticos.

Por fim, podemos citar os receptores J, ou justapostos, nome concebido devido sua justaposição próximo aos alvéolos. Tais receptores respondem rapidamente a substâncias químicas injetadas na circulação pulmonar, com impulsos ascendendo via fibras amielínicas do nervo vago e causam ventilação rápída e superficial, mas sua estimulação intensa causa apnéia. 
Existe correlação entre esses receptores e a dispneia que ocorre em pacientes com congestão alveolar por edema pulmonar agudo ou doenças intersticiais que causem aumento de volume líquido no pulmão.

Fonte: WEST, JB - Fisiologia Respiratória Moderna
            GUYTON, AC - Tratado de Fisiologia


Anatomia Respiratória e Trajeto do Ar

         O sistema respiratório tem como principais funções realizar a ventilação, isto é, a mobilização de ar dentro do organismo do indivíduo, proporcionar troca gasosa para promover oxigenação sanguínea.
Podemos dividir o sistema respiratório em dois grupos funcionais de vias aéreas: vias aéreas condutoras e vias aéreas respiratórias.


  • Vias aéreas condutoras: nariz, faringe, laringe, traquéia, brônquios, bronquíolos terminais.
  • Vias aéreas respiratórias: bronquíolos respiratórios, ductos alveolares, alvéolos.
Podemos ainda classificar as vias aéreas em vias aéreas superiores e vias aéreas inferiores, considerando a traquéia como ponto de referência.
  • Vias aéreas superiores: nariz, faringe, laringe, parte superior da traquéia
  • Vias aéreas inferiores: parte inferior da traquéia, brônquios, bronquíolos terminais, bronquíolos respiratórios, ductos alveolares e alveólos.
As vias aéreas condutoras, por não realizarem troca gasosa podem ser denominadas espaço morto fisiológico, cujo volume normalmente corresponde cerca de 150ml do ar inspirado.

Um conceito primordial a ser considerado ao analisarmos a mecânica respiratória está no fato de que a inspiração é ativa e a expiração é passiva e se dá pelo diferencial de pressão entre o ar inspirado e a pressão barométrica ou atmosférica.

    Tendo isso em consideração, possuímos um centro respiratório bulbo-pontino que se localiza dentro do SNC e controla a inspiração involuntária, sendo que há também a possibilidade de voluntariamente alterarmos a respiração com comando do córtex e sistema límbico sobre essa área.


Fig 1 - Sistema respiratório

       A ventilação normal acontece da seguinte forma: estímulo eferente do centro respiratório alcança os nervos periféricos através da medula e estimulam a musculatura inspiratória, composta basicamente do m. diafragma e dos mm. intercostais. Então o diafragma 'desce', realizando alongamento de sua cúpula, empurrando sua estrutura para baixo e para frente, aumentando a pressão intra-abdominal que reflete na expansão torácica, levantamento das costelas pelos mm. intercostais externos e consequente inversão da pressão pleural, que em condições normais é negativa, em torno de -3cmH2O e durante a inspiração atinge cerca de -5cmH2O. 
Desta forma, com a pressão pleural e transdiafragmática menor que a pressão barométrica, o ar ambiente entra por gradiente de pressão.

Uma vez dentro do indivíduo, o ar passa pelo nariz, que oferece cerca de 2/3 da resistência, passando para faringe, laringe (onde a epiglote separa os sistemas digestivo e respiratório, prevenindo broncoaspiração), depois passa para a traquéia, chegando à carina, estrutura bifurcada que antecede os brônquios principais, também chamados de brônquios 'fonte'. 

Fig 2. Anatomia pulmonar e detalhes de bronquíolo/capilar
       Anatomicamente, o pulmão direito é diferente do pulmão esquerdo, pois apresenta duas fissuras, oblíqua e horizontal, separando o pulmão direito em lobo superior, lobo médio e lobo inferior. Além disso, o brônquio fonte direito é mais curto, calibroso e vertical, sendo mais propenso à broncoaspiração, entubação seletiva e infecções.

Uma vez que tenha chegado aos brônquios principais, o ar passa para os brônquios lobares e consequentemente, lobos pulmonares (3 à direita e 2 à esquerda), lobos segmentares (10 à direita e 8 a 9 à esquerda). Os bronquíolos possuem várias divisões denominadas gerações, sendo que a traquéia é considerada geração zero e ocorrem posteriormente cerca de 24 gerações.

Por fim, os bronquíolos terminais enviam o ar para os bronquíolos respiratórios, consequentemente para os ductos alveolares até chegar ao alvéolo, onde ocorrem as trocas gasosas entre os capilares sanguíneos pulmonares e os alvéolos, ocorrendo a liberação de oxigênio do alvéolo para o sangue e a perda de CO2 do sangue para os alvéolos, até que seja eliminado do organismo através da expiração ou dissolução no plasma.

Espero que este breve resumo ajude aqueles que estejam revisando ou estudando pneumologia pela primeira vez. Até a próxima!

Fontes:
Guyton, AC. Tratado de Fisiologia, Ed. Guanabara Koogan, 1989
Scanlan, G et al. Fundamentos da Terapia Respiratória de Egan. Ed. Manole
West, JB.- Fisiologia Respiratória Moderna. Ed. Manole, 2003

Exames Complementares - hemograma, coagulação e enzimas cardíacas

       Depois de um grande período sem postar, retorno as atividades desse blog com uma postagem interessantíssima para aqueles que intencio...